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#primeiroassedio

primeiro assedio

Pode ser linda a coragem de falar sobre uma coisa terrível. Inspiradas no @ThinkOlga e na hashtag #primeiroassedio milhares de mulheres compartilharam seus casos. No Twitter, no FB, em grupos de discussão. Foram 82 mil tweets sobre o assunto, até a meia noite de domingo, 25. E tem mais escondido na página do Zuck.

Para você que estava na Terra do Nunca, um resumo: na estreia do programa MasterChef Júnior, dia 20 de outubro, houve quem tivesse a coragem de fazer comentários sexuais sobre uma menina de 12 anos, que participa do programa.

Houve homens contando seus casos de assédio. Assédio – principalmente com crianças – é algo nojento horrível injustificável. Se adjetivos não faltam para desqualificar a atitude, sobram histórias – que continuam a reverberar, mais de 10 dias depois do fato.

O espaço público – e nossos corpos – nos pertencem. Mulheres, por incrível que possa parecer a alguns (cof, Cunha, cof) são, sim, cidadãs e têm direito à segurança e decidir o que querem para si. #primeiroassedio mostra que ainda estamos muito, muito longe disso.

Tudo bem não conseguir contar, tudo bem escrever e deixar só para você. Tudo bem só olhar fotos de filhotinhos por uma semana. O assunto é uma merda. Só não dá é pra ficar calada e quietinha – e fingir que nada aconteceu.

Como muito bem disse a JoutJout no vídeo sobre o assunto: tem que fazer escândalo, sim!

Sim, houve compartilhamento de histórias entre nós. Sim, elas estão abaixo, sem identificar as protagonistas.

 

Eu tava aqui pensando em como é difícil pra gente conseguir isso, essa libertação. Eu vi os relatos e fiquei arrasada. Eu chorava sem parar. É sempre gente muito novinha, muito criança. Às vezes por gente em quem a gente confia e às vezes por completos estranhos na rua, no ônibus, em qualquer lugar.

No meu caso, foi no caminho da escola e quando eu cheguei lá apavorada, contei pras pessoas, professores e colegas, que um cara tinha me seguido e falado um monte de coisa horrível, as pessoas disseram que eu devia estar feliz de ter arrumado um namorado, já que eu era gorda.

E quando eu fui contar o que aconteceu, ontem no fb, ainda ponderei. Mas não se eu estava pronta pra falar sobre aquilo, mas se eu não ia ser chata, se não ia me indispor com a família, se a família do meu marido ia interpretar mal e todas essas coisas.

Foi esse meu medo que me fez tomar coragem e falar.

A gente não pode mais se calar.

A.

Eu li alguns, fiquei angustiada, parei de ler e voltei pra rotina. Escrevi o meu, apaguei, reescrevi e apaguei mais umas trocentas vezes e não consegui publicar. Voltei pro twitter, li novamente, fiquei puta com uns imbecis que entraram na # no twitter e desisti de ler e acompanhar porque é muito triste pra quem sofre e pra quem não entende e julga.

P.

Não consigo parar de pensar na minha filha, com 4 anos e querer sair correndo com ela do Brasil. E abraçar e apertar.

Se eu empoderar ela pode apanhar. Se eu ensinar a ter medo, eles aproveitam para agredir. Ela é bonita. Até quando vou conseguir evitar que homens sexualizem a imagem dela? Não tem pra onde correr. Eu quero vomitar.

E.

Nossa, tô impressionada como cada mulher tem ao menos uma história de assédio pra contar… A minha eu havia esquecido até fazer uma sessão de renascimento e vir tudo à tona… Meninos mais velhos do prédio que me passavam a mão em todos os lugares e pediam pra ver a minha calcinha. Não consigo entender porque eu deixava e porque não contava aos meus pais… E também porquê meus pais e irmãos não conseguiam perceber, visto que a interação com estes meninos (amigos dos irmãos) era constante…

E como educar/ensinar as crianças a se protegerem quando não estivermos por perto? O que vocês fazem? A única coisa que eu e meu marido orientamos os filhos dele é que só eles mesmos, a mãe e o pai podem tocar/lavar/olhar o corpo, principalmente o pinto e o bumbum. Mas será que é suficiente?

C.

Pior é que eu lembrei de uma situação que nunca tinha pensado como abuso… Eu meio que recalcava que isso era “normal da idade”.

16 anos, numa viagem pro interior da Bahia com a escola. Todo mundo naquele furor hormonal, pegação total dentro do busão… Mas enfim, eu era bem fechada/tímida/meio carola até… Enfim. Num determinado momento eu resolvi ficar andando pelo ônibus e tava todo mundo em pé no corredor ou trepado nas cadeiras. E passei perto de um colega da sala que e achava bem bonito e tal, mas nunca tinha me dado muita moral. Ele me deu uma dedada por cima da calça jeans. Assim, do nada. Eu fiquei atordoada. Eu me sentia atraída por ele, mas isso era confuso pra mim. Será que só por isso ele tinha esse direito? Era assim que funcionava as pegações? Sei que ele me olhou bem nos olhos e deu uma piscada ou um sorriso, não consigo me lembrar direito. E eu fiquei bamba. De nervoso, de angústia. Ninguém nunca tinha me tocado nem nos seios. E pra tocarem mesmo, com meu consentimento e vontade, demorou uns 2 anos após isso e eu ainda tinha muito medo. E culpa. Maldita culpa. Malditas violências.

P.

Eu travei várias vezes. Chorei todos os dias ao longo da última semana. Tive raiva, nojo, medo, angústia, vontade de sumir do mapa, literalmente. Briguei com o marido só pra não ter contato íntimo. Mas eu concordo que só dá pra mudar se o assunto se assume um assunto. Se fica nas sombras, não tem diálogo. Mexer na merda faz feder, mas tem que varrer, tem que tirar da frente, não tem outro jeito.

Eu sempre tive a sensação de olhar ao meu redor e ver que todas tinham uma história dessas guardada. Mas ninguém dava o pontapé inicial, todo mundo se achava exceção, todo mundo tinha medo e vergonha, então todas se escondiam naquela “carinha de menina pura que nunca fez nada pra merecer algo do tipo” ou de “menina pura que não tem marcas desse tipo”. Você não podia nem transparecer a possibilidade de já ter vivido um abuso, a gente vivia num jogo de aparências. Mas eu percebia os olhares, meio que o tal do “entendedores entenderão”.

Por causa do #primeiroassédio, hoje eu posso falar disso sem me expor individualmente, sem esperar aqueles olhares curiosos de “se você está falando isso é porque viveu”, como se eu fosse um ET. Como se eu tivesse obrigação de contar o meu caso, já que estou falando com tanta certeza que isso é relevante. Ou até de que eu seria uma exceção, que não poderia generalizar, já que foi uma experiência individual. Resumindo, eu fiquei feliz porque saímos do âmbito individual. O tema virou coletivo, e isso nos protege e nos liberta. Isso é lindo.

Mas, mesmo assim, eu ainda não me sinto à vontade de falar publicamente sobre o meu caso. Não por ser pior do que qualquer outro, mas é um misto de sentimentos e conflitos internos muito difíceis de lidar. Como em muitos casos, envolve minha família, gente que eu gosto muito e que vai ver o mundo cair. Não estou preparada pra sentir (de novo) o machismo contra mim, dentro da família, manja? Vejo minha mãe toda engajada no tema e com medo de fazê-la sofrer com meus relatos. Ela até sabe (muito por alto), mas foi o pai dela, com a filha dela. É muito foda pra todo mundo. Eu só queria que ele morresse logo pra eu poder mandar ele à puta que o pariu, que o fantasma de que ele está vivo por aí fosse embora deste mundo. Pensa em como eu olho pros avós da minha filha hoje? Pro meu próprio pai que nunca me fez uma gota de maldade? Não confio em ninguém. É uma neurose eterna. Quanta gente vive assim? Tem que gritar, mesmo, como a Jout Jout falou. E dar soco na cara e chute no saco, desculpem a sinceridade.

Vou dormir com um nozinho na garganta agora, porque dói mexer em ferida, mas é assim que ela vai curando aos poucos também.

M.

Meu #primeiroassedio também aconteceu dentro de casa. Tinha no máximo uns 7 anos e é muito tenso pensar que alguém que hoje tem filhos e fica pregando o amor de Deus, tenha tido coragem de fazer o que fez. Sendo filho dos mesmos pais, sendo sangue do meu sangue.

Depois tiveram outros. Um primo que “gostava tanto de mim” que vivia me levando pra passear pelo bairro pra poder passar a mão no meu corpo com a desculpa de que ia ajeitar minha roupinha. Depois o filho da minha madrinha de batismo q uma vez mostrou o pinto e disse que iria colocar todinho em mim, que uma hora ele iria “me pegar” sem se importar se eu quisesse, claro que corri dele a vida toda e dei graças a Deus quando ele foi atropelado e morreu ainda adolescente.

E a ultima que me lembro de um outro primo já adulto, era vizinho, eu devia ter uns 13 anos, esperou a oportunidade de me encontrar sozinha em casa pra entrar e trancar a porta, falando “agora você não me escapa”, corri dentro de casa mas ele conseguiu me encurralar na lavanderia e se esfregar em mim com o pau pra fora. Essa foi a única vez que tive coragem de contar pra minha mãe, afinal eu já era grandinha pra falar do assunto que sempre fora tabu entre nós duas (ela nunca falou sobre sexo comigo sob hipótese alguma) e claro que dentro do machismo incutido na mente dela, achou que eu tinha provocado e por isso ele foi pra cima de mim. Bem feito! (sim, ela me disse isso!)

Hoje tenho muitos problemas relacionados a sexualidade e tenho certeza que estes acontecimentos tem uma grande parcela de culpa nisso. Sou casada e tento remediar a situação conforme dá, já pensei até em fazer terapia, mas sempre vou deixando pra depois… enfim, já me sinto mais aliviada por ter podido contar pelo menos pra vocês aqui.

P.

Pelas entrelinhas do seu segundo parágrafo, percebo que sua história é parecida com a minha. Penso a mesma coisa. Sangue do meu sangue. Nunca consegui falar sobre isso com ninguém, ninguém mesmo. Tenho vergonha até de pensar na frase dentro da minha cabeça, escrever ou falar ainda é meio que inconcebível para mim.

Essa é uma das razões que não saio na rua sozinha, tenho muito medo. Tenho medo de ficar em qualquer ambiente sozinha com algum homem. Qualquer homem. Só me sinto segura com meu namorado (que nem sem sonha com o que aconteceu).

Essa é razão pela qual só consegui pensar (e fazer) em sexo aos 24 anos e ainda assim com muita dificuldade.

Então um abraço muito apertado para você, para mim, para nós. E que nosso coração (sofrido, cheio de marcas, medos) um dia possa bater em paz.

Sonho com o dia em que as mulheres não precisarão mais ter tanto medo. Que todos os homens sejam dignos, igual o meu namorado é. Que todas as mães saibam criar seus filhos da mesma forma que minha sogra soube.

J.

Meu primeiro assédio foi aos três anos e meio, pelo motivo alegado já aqui, de corpinho de menina grande. Lembro que minha mãe e eu mudamos para uma casa num bairro diferente e uma vizinha veio conversar com a minha mãe para que não deixasse que eu ficasse de calcinha sozinha no quintal de casa porque todo homem que passava mexia comigo e a vizinha ficou preocupada.

Tive primo me mostrando o pinto, prima do meu pai tentando passar a mão em mim, isso mesmo, prima. Entre inúmeros homens de várias idades que me fizeram propostas horrorosas. Com 14 anos um rapaz que tinha sido aluno da minha mãe, invadiu minha casa, e disse que eu não escaparia, mas lembrei que minha mãe tinha mandado colocar uma porta de madeira maciça no banheiro e corri para lá e ele depois de tentar colocar a porta abaixo e não conseguir foi embora. Ficar sozinha nunca mais foi a mesma coisa.

Depois lembro que com dezesseis anos um homem casado que resolveu me perseguir no caminho para a escola. Nem ai eu pude ficar sozinha. Minha mãe passou a me levar.

Acho o mais triste de tudo isso essa imposição sexual na nossa liberdade em todos os sentidos. Espero que tudo isso aqui sirva pra dizer que estamos juntas para dizer que chega de machismo.

Espero que minha filha e as filhas de todas vocês não passem por nada parecido com o que nós passamos, mas que se acontecer algo parecido elas possam ter em nós seus portos fortes.

F.

O meu primeiro assédio foi aos 12 anos, num carnaval de rua. Na verdade, antes desses relatos virem à tona, minha memória tinha escondido essa situação, não lembrava mais.

Mas o mais impressionante é ouvir do namorado: “nossa, eu não achei que era tão comum! vc viu a mulher do fulano? vc viu a namorada do beltrano?” E eu responder: “eu já passei por isso, isso, isso e isso.”

Me apavora num nível tão imenso saber que a filhota tem 9 anos e começa a entrar nesse “grupo de risco”, que vocês devem imaginar…

O silêncio que a gente manteve sobre isso é aterrador. Ainda mantemos, vejam só: eu não quero falar.

D.

Eu sou mãe de duas meninas. E pra mim é uma batalha diária interna que eu travo dentro de mim entre a mulher e a mãe, quando uma empodera e diz “você tem todo o direito de vestir o que quiser” e a outra emenda com um ” mas esse short está curto demais pra você sair e ir andando até a casa da fulana”.

Eu meio que cheguei a um meio termo, dizendo que elas não são fortes ainda o suficiente para não se deixar humilhar, constranger ao serem assediadas. Que elas precisam ainda aprender a se calejar e entender que o respeito não é “merecido” – é inerente a todo ser humano. Que elas vão aprender a revidar, a brigar, a discutir, a não abaixar a cabeça. E todas as vezes que eu leio que uma menina tentou contar que foi assediada e ninguém acreditou eu me lembro de um depoimento do escritor Primo Levi, que sobreviveu aos campos de extermínio nazista: quando acabou a guerra, ele queria contar o que tinha acontecido a ele e a milhões de outros judeus, mas literalmente ninguém quis ouvir. Todos diziam que era preciso “recomeçar” e “deixar tudo para trás” quando ele tentava falar. Toda a população do planeta se recusava a discutir o que havia acontecido a milhões de judeus, ciganos, gays, deficientes. Ele então escreveu, e muito. Mas era como falar sozinho; ele não sabia se havia alguém ouvindo. E foi assim até ele se matar, em 1987. Na época, Elie Wiesel declarou que “Primo Levi morreu em Auschwitz, quarenta anos atrás.”.

A gente morre um pouco a cada vez que é assediada. Vamos falar, e muito, e ensinar noss@s filh@s a falar, também.

S.

Eu lembro que quando eu era criança, alguma coisa no olhar de certos vizinhos me deixava desconfortável, com nojo. Eu sabia que não era seguro ficar sozinha com eles em algum lugar, mesmo que nunca tenha acontecido nada.

A primeira vez eu nunca esqueci. Tinha 13 anos. Eu estava indo com minha mãe ao cinema ver “Uma Cilada Para Roger Rabbit” e estava ensaiando minha feminilidade, coloquei um vestido tubinho que tinha ganhado – normalmente eu só andava de calça jeans e camiseta. E de repente, no meio da calçada lotada, um homem beliscou a minha bunda. Foi a primeira vez que alguém me tocou sem o meu consentimento. Simplesmente beliscou e sumiu no meio da multidão, levando com ele a minha segurança. Eu lembro que fiquei absolutamente confusa – mas ele não tá vendo que eu sou uma criança? O que esse moço quer comigo? Porque ele fez isso? Será que foi o meu vestido?

E isso meio que parece que marcou minha entrada oficial para a adolescência, porque os assédios não pararam mais, inclusive o velho nojento de bicicleta que disse “bocetuda” quando eu estava voltando da escola, até que o volume ficou tão grande que eu não lembro mais de quantas vezes.

L.

Essa é a terceira vez na vida que compartilho sobre esse momento.

A primeira foi em um encontro onde só tinham moças, quando o assunto veio à baila, uns seis anos atrás. O chocante dessa reunião: numa mesa de 10 mulheres, pelos menos 8 relataram ter sofrido alguma forma de assédio em idades entre 9 e 15 anos.

A segunda vez foi ontem à noite, para o meu marido.

Comparado a outros depoimentos, nossa!, imagino esse meu ser light. Mas a lembrança do ocorrido está aqui, junto com a sensação no estômago.

Eu tinha 12 anos e minha mãe me pediu pra ir ao açougue da nossa rua comprar carne para o almoço. Desci sozinha e na volta, saindo da loja, um cara de aproximou de mim e com uma habilidade impressionante conseguiu se aproximar do meu ouvido e dizer pra mim: “Deixa eu cheirar o teu cu.”. Apertei o passo e corri pra casa sem saber o que pensar.

Eu tinha 12 anos e o máximo de palavrão que falava era “droga”. Eu tinha 12 anos e em 1989 nem meu primeiro beijo eu tinha dado ainda.

O assédio foi velado, somente algoz e vítima perceberam. Mas a sensação de vergonha e constrangimento, eu sinto até hj.

Se eu quero esquecer? Não, não faço mais questão disso. É marca da minha história.

Mas, do fundo do coração, não quero que minha filha, hj com 10 anos, passe por isso.

A.

O Brasil tem 52 mil mulheres estupradas por ano, segundo os números de boletins de ocorrência registrados. Mas o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) estima que 500 mil mulheres são vítimas de estupro a cada ano no país e, dessas, 70% são crianças e adolescentes – sendo 51% menores de 13 anos. [Informações coletadas por uma repórter da BBC Brasil]