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Literatura não é para se ler

Agosto é um mês especial para os amantes de arte e cultura. Inspiradas em tanta criatividade, reunimos algumas luluzinhas para falar nos próximos dias do relacionamento delas, com a arte e a cultura. Cada uma do seu jeito, e cada jeito, bem especial, compartilhando um pouco da sua experiência no assunto nesta semana de arte e cultura do Luluzinha Camp. Finalizamos a semana com literatura, da melhor qualidade. Divirtam-se!

Imagem: Holland House, Kensington, London, 1942. Image by Fox Photo, English Heritage
Imagem: Holland House, Kensington, London, 1942. Image by Fox Photo, English Heritage

Já tem mais de dez anos o dia em que deram um chute no meu banquinho e eu caí de bunda no chão. “Mas é CLARO que Paulo Coelho é literatura. Foi produzido por um ser humano, usa codificação/linguagem – então é literatura. Má ou boa literatura, não interessa: apenas é.” E eu, do alto da minha soberba, despenquei para a vala comum mas especial dos que amam livros, sem julgamento. Sim, Paulo Coelho é literatura.

Tem gente que se orgulha de nunca ter lido um livro na vida. Tem gente que tem, como meta de vida, chegar aos 11 mil títulos que, em média, o ser humano é capaz de ler, se viver (em média) 80 anos. E eu, a loka, acho pouco. Porque já foram publicados, desde que se tem notícia, 350 milhões de títulos pela humanidade. E são 11 mil ao alcance da minha existência.

A literatura tem múltiplas definições. É a ciência do literato; é o conjunto das obras literárias de um país ou de uma época; são os escritos narrativos, históricos, críticos, de eloquência, de fantasia, de poesia, etc ou, ainda, vejam só, o folheto que acompanha um medicamento ou alguns outros produto, de conteúdo informativo sobre composição, administração, precauções. Mas literatura é mais – e foi depois do meu tombo que eu percebi.

Literatura é o cheiro do livro novo. São as escolhas do editor – o papel, as guardas, o desenho da lombada francesa, inglesa ou americana. É a opção por determinada capa, o texto das orelhas, da contracapa. E a escolha da tipologia, da cor (ou da ausência dela). É a música que você ouve dentro da sua cabeça quando sente, na ponta dos dedos: “Lolita, luz de minha vida, fogo do meu lombo. Meu pecado, minha alma. Lo-li-ta: a ponta da língua fazendo uma viagem de três passos pelo céu da boca, a fim de bater de leve, no terceiro, de encontro aos dentes. Lo-li-ta. Era Lo, apenas Lo, pela manhã, com suas meias curtas e seu metro e meio de altura. Era Lola em seus slacks. Era Dolly na escola. Era Dolores quando assinava o nome. Mas, em meus braços, era sempre Lolita.”

A literatura está nos livros de pano e plástico. Está na lata de Nescau que o sobrinho lê, aos quatro anos, para espanto e mudez de todo mundo na cozinha. Na lanterna acesa embaixo do cobertor da filha porque o fim de “O cálice de fogo” não pode esperar. Está na sala de espera da clínica, na primeira sessão de radioterapia, o enfermeiro impaciente na porta chamando pela enésima vez o seu nome, e você apenas arfa porque “ele começou a repreendê-la, e sua falta de jeito poderia ser mal-interpretada por esses alemães, e os olhos dela recomeçaram a intumescer mas, graças a Deus, num escuro desse ninguém ia perceber, e depois foram para casa juntos, sem falar um com o outro, como se fossem estranhos – […] mas mais tarde foi lhe dar boa-noite – ele vinha todas as noites despedir-se dela, principalmente depois das brigas e desavenças – ele a despertava ternamente e a acariciava, beijava-a, porque ela era dele e dependia dele fazê-la infeliz ou feliz […] – ele a abraçava, beijava-lhe os seios e eles começavam a nadar – nadavam a grandes braçadas, estendendo simultaneamente os braços na água e simultaneamente enchendo os pulmões de ar, afastando-se cada vez mais da margem, em direção à saliência azul do mar, mas quase todas as vezes ele caía numa contracorrente que o arrastava para o lado e até um pouco para trás – ele não conseguia alcançá-la, mas ainda assim ela continuava a estender os braços na mesma cadência, chegando a perder-se ao longe, e ele tinha a impressão de que já não nadava, mas apenas debatia-se na água tentando alcançar o fundo com os pés, e essa correnteza o arrastava para o lado e o impedia de nadar junto com ela […].”

Literatura é aprender outras idéias, outras pessoas – mesmo sem entender o que diacho são vogais e consoantes. É o que eu aprendi com o cara que sobreviveu à queda do avião. Como ele agora só coleciona vinhos ruins – e bebe os bons com quem gosta. Mas eu não bebo, eu escrevo para que os outros leiam.

Escrevo cartas para as minhas filhas. Escrevo para pessoas a quem nem conheço pessoalmente que ela é uma grande cozinheira, que é linda e que deve cheirar a baunilha e canela. Escrevo em pequenas tiras de papel quem quero conhecer, quem quero abraçar, de quem desejo mais lições de vida. Escrevo para o meu pai, para não deixar que o fio vermelho rompido da vida dele caia no chão do esquecimento.

Você pode abandonar a literatura, mas ela não abandona ninguém. Ela está nos memes do facebook. Nos textos com falsa autoria que circulam na sua caixa de mensagens. Está em livros, camisetas, postais, dedicatórias; nas placas de rua que os seus filhos lêem com dificuldade; nas revistas de fofocas no salão do cabeleireiro. Ela está não no livro que você leva na bolsa e abre na antessala do oncologista, mas sim nos olhos do médico que a observa em silêncio e lê, em cada linha da sua postura, o seu sofrimento, a sua história, a sua esperança.

Literatura não é para se ler. Literatura é ser humano. Basta saber viver. Basta saber ler.


*Suzana Elvas

Editora freelancer, mãe de duas adolescentes, uma labradora e três mil livros.

breviariodashoras.blogspot.com
facebook.com/suzana.elvas
suzana.elvas@gmail.com

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Vem aí, a semana de arte e cultura do LuluzinhaCamp

Entre os dias 19 e 23 de agosto, teremos por aqui uma semana dedicada à arte e cultura. Com textos de lulu para lulu, bem no estilo Luluzinha Camp de ser e viver, compartilhando dicas e informações sobre o temas mais variados. Afinal de contas, agosto é um mês especial para os amantes de arte e cultura.

cachorro colorido - imagem See-ming Lee SML no flickr
Dia 12/08 tivemos o Dia Nacional das Artes. Arte, que por sua função pura e simples, tem seu quê de poesia e divagação. Encantando através de expressões artísticas que apresentam-se sob variadas formas: artes plásticas, música, escultura, cinema, teatro, dança, entre outras.

No dia 19/08 teremos o Dia Mundial da Fotografia, data que comemoramos o dia em que a Academia de Ciências da França consagrou em 1839 o daguerreótipo, invento de Louis M. Daguérre.

Na mesma data, 19/08, também é comemorado o Dia do Artista de Teatro, uma homenagem ao ator, mas não só ele, e também todos aqueles que trabalham nesta arte. Autores, diretores, iluminadores, sonoplastas, figurinistas… Todos aqueles que estão envolvidos, de alguma forma, no processo de representar perante o público.

E finalizando as homenagens de agosto, 24/08 é Dia dos Artistas, ou seja, todo aquele que dedica sua vida ou parte dela à arte, seja ela de forma escrita, encenada, pintada, fotografada, esculpida ou de qualquer outra forma que deseje expressá-la.

Inspiradas em tanta criatividade, na próxima semana reuniremos algumas luluzinhas para compartilhar conosco um pouco do relacionamento delas, com a arte e a cultura.

Cada uma do seu jeito, e cada jeito, bem especial, compartilhando um pouco da sua experiência no assunto.

Aguardem!


*Photo Credit: See-ming Lee ??? SML via Compfight cc

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Pola Oloixarac

Lendo sobre a FLIP – Festa Literária de Paraty desse ano, me deparei com a escritora argentina Pola Oloixarac, que veio lançar seu primeiro livro As Teorias Selvagens. E por alguma razão fiquei com Pola na cabeça. Um dia na livraria, passeando entre as estantes, lá estava ela. Abri na página 100:

Dentro e fora da Ásia carnívora, a face do tigre é esplendor das deidades mortíferas. As nupcias de Kali e do tigre, no culto guerreiro da Índia, são um capítulo do apetite divino pelos atributos gêmeos do poder e da animalidade. A história híbrida das transformações guerreiras perpetra desmandos psicológicos e gráfciso como a efígie do Assurbanipal assírio, que narra a ferocidade dos tigres e leões depois das chuvas que inundaram a Terra, cobrindo-os dos atributos do felino mortal (o tigre é o tigre do homem e do tigre).

Gostei. Fui para página 147:

O céu muda de cor e filtra as árvores de rastros lúgubres e esverdeados. Vem uma tormenta ou cai a noite. Vou atrás de Collazo e, embora não me veja, tampouco estou me escondendo, o vento se rompe em lascas, cruza minha cara a toda velocidade, as folhas me estalam na cara. Quase grito com toda a boca, mas fico quieta, rio. Acho que vou assassinar esse imbecil. Vou assassiná-lo porque tenho a piedade e a nobreza de escolher minhas vítimas por motivos estritamente pessoais.

Pola me ganhou. É um livro de contos, dividido em três partes. Com uma linguagem ágil. Uma prosa que tenta destrinchar a tudo e a todos, algumas vezes delirante e bem atual, cheia de referencias da música, literatura e do cotidiano das grandes cidades. Além de sexo, política, filosofia e juventude.

Pola Oloixarac

Ao falar de seu romance na Flip, Pola disse:

“Gosto de pensar na cultura como um espaço em guerra, guerra por significados. Quando escrevi o romance queria conversar com certa substancia contemporanea, e tinha a sensação de que, para escrever, era importante ter uma imaginação política”.

E revelou uma inquietação que a incomoda na forma como seu trabalho é recebido:

“Me parece que quando uma mulher fala de ideias, com certa ambição mental, tenta-se trivializar isso, como se ela no fundo estivesse falando de outras coisas, de emoções, de relações familiares”, afirmou.

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Histórias Íntimas

No Brasil, durante o fim do século XIX, a parte do corpo da mulher que era o maior fetiche eram os pés. Como eles eram as únicas partes que ficavam descobertas, os homens enlouqueciam olhando tamanhos, dedinhos e afins. Ninguém prestava muita atenção nos seios femininos. Há toda uma construção social sobre nossos desejos, sobre o que achamos bonito ou excitante. O erotismo muda através dos tempos, o que infelizmente permanece é o controle do prazer sexual. A idéia de que sexo é algo pecaminoso e que a virgindade feminina é um trófeu também são construções do nosso imaginário erótico social.

E é sempre sobre a mulher que o controle é exercido com maior rigidez. Até hoje há mulheres que são criadas para casar, terem relações sexuais apenas com um homem durante toda a vida e terem muitos filhos. Prazer no sexo? Nem pensar. O homem pode ter suas fantasias proibidas com mulheres fora de casa, enquanto o valor da mulher é medido pelo seu recato. Não parece ser à toa que vemos tantas mulheres saindo ás ruas pelo mundo em Slutwalks, lutando pelo direito de serem donas de seus corpos.

No livro Histórias Íntimas, a historiadora e escritora Mary Del Priore, apresenta um interessante panorama da construção do erotismo brasileiro desde o período do Brasil Colônia, até os dias atuais em que o divórcio é tão comum e o sexo alcança nosso olhar em todos os lugares. A leitura é muito prazerosa, para fazermos um trocadilho. A escrita é clara e pontua algumas reflexões. A única coisa que realmente senti falta foi ver mais sobre o impacto da pornografia em nossa sexualidade. Em uma entrevista Mary Del Priore fala um pouco sobre isso:

Os seios ganharam importância quando a lingerie começou a se difundir, no século 20. Antes, a roupa íntima da mulher era uma sobreposição de saias compridas, repletas de botões e laços. Despir-se era complexo. A lingerie levou o olhar do homem para uma parte do corpo feminino até então vista como meramente funcional, chamadas de “aparelhos de lactação”. Mas a grande moda dos seios veio mesmo na década de 1950, com o cinema americano, a Playboy e a Marilyn Monroe.

Fica a dica de um bom livro para curtir nas férias e pensar sobre como a economia, a industrialização e os hábitos de higiene afetaram a maneira como encaramos o sexo e o prazer. Há vários momentos do livro em que rimos para não chorar de tantas bobagens já impostas as pessoas quando se fala de sexo. Deixo um trecho como exemplo:

Assim, o homem era responsável por uma tripla função: combinar a reserva espermática, a fecundação vigorosa e evitar a volúpia da parceira. O risco? Sem esse coquetel, o coito podia detonar “furores uterinos” — forças adormecidas nas mulheres normais, mas que eram reveladas por ninfômanas e histéticas.

Nos anos 1840-1850, dois médicos franceses, Pouchet e Négrier, descobrem os mecanismos da ovulação. A mulher deixou de ser considerada uma simples portadora de ovos para fazer parte da Criação. Mas ela pagou um alto preço por isso. A espontaneidade da ovulação tornava inútil o orgasmo. Só a ejaculação masculina era indispensável. Por décadas, os homens puderam esquecer as reações de suas parceiras. A necessidade de prazer lhes era oficialmente negada. Um ou outro doutor mais sensível invocava a possibilidade de as esposas gozarem. Mas apenas como garantia contra a infidelidade. Era o medo do adultério que permitia um número maior de carícias.

Histórias Íntimas de Mary Del Priore, páginas 80-81.

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Miau! Miau!

Uma coisa que você logo nota quando chega num encontro do LuluzinhaCamp é que em algum momento um grupinho estará falando de gatos. Mas não pense que o assunto é homem, um dos principais interesses das mulheres deste grupo são os felinos. Lindos, enigmáticos, ronronantes, fofos, temperamentais, amorosos, independentes, preguiçosos, carinhosos, tagarelas, exigentes, elegantes, doces e apaixonantes. Gatos, gatas, gatinhas, gatões, gatinhos e gatonas frequentam a casa de diversas mulheres do grupo. E mesmo quem não tem gato (como eu!) acaba se apaixonando pelos irresistíveis felinos. Aviso logo que em pouco tempo participando de encontros do LuluzinhaCamp, logo você estará se candidatando a ser babá de gatos quando alguma dona tiver que viajar.

Então, quando vi a capa da nova releitura de A Metamorfose, impossível não lembrar de vários blogs de gateiras e de vídeos fofos de gatos.

Tô Gato? Divulgação/Editora Quirk Books

Em The Meowmorphosis ou A Miaumorfose (não sei ao certo como será o título em português), o personagem principal da trama um belo dia acorda e percebe que é um gatinho fofinho. A partir daí sua família, seu trabalho e sua vida serão bastante afetadas. No original, o personagem principal se transformava num inseto asqueroso, ao que parece a literatura de Kafka tem chances de se tornar mais prazerosa, não é? E a vida deve ser bem mais fácil para quem consegue fazer carinha de gatinho do Shreak. O autor da releitura é um escritor/blogueiro que prefere não se identificar. Torcemos para que seja um bom romance e que no futuro o autor figure entre outros mestres das letras no Tô Gato?

Para você que adora os felinos a dica de hoje são dois blogs:

  • Gatoca. Na casa da jornalista Beatriz Levisch sempre cabe mais um. Acompanhe o dia a dia de uma casa com 10 moradores felinos e alguns temporários que precisam muito de um lar. A melhor parte é que você pode ajudá-los, seja adotando os temporários ou comprando as rifas que ajudam a pagar os gastos. O coração de pudim agradece e você pode ver momentos especiais de pura fofura gratuitamente.

Por fim, alegre seu dia com as tirinhas e vídeos de Simon’s Cat. Duvido que seu dia não melhore depois dessa: