São Paulo está vivendo hoje a maior ameaça de falta de água crônica das últimas décadas. A maioria dos paulistanos, acostumados à fartura, embora tenha aprendido na escola que a água é um recurso precioso e pode acabar um dia, sempre pensou nisso como um conceito abstrato, algo que nunca chegaria a acontecer nesta encarnação, mas em um futuro apocalíptico distante.
O futuro apocalíptico distante é uma realidade passada e presente para muitos brasileiros. Eu cresci em meio a uma grande crise de falta d’água (combinada com hiperinflação) na década de 80.eu o Pessoas de classe média, em casas de classe média, carregando baldes de água com a ajuda dos filhos e parentes, para casa. Meu pai fez uma grande cisterna em casa. Grande mesmo, do tamanho de um quarto. Uma pessoa consegue ficar em pé dentro dela. Instalou duas caixas d’água em casa. E em algum ponto da década de 90, furou um poço artesiano. Quando a água não vem da rua, o poço é ativado. Hoje, quando falta água, a vizinhança recorre a ele e aos vizinhos que fizeram coisas semelhantes.
No começo da minha vida adulta, morei numa casa na região da Costa Verde do Rio, herdada do pai do meu ex-marido, em uma região que tinha zero saneamento básico fornecido pela cidade. A casa tinha um poço tradicional, com uns 40 ou 50 anos de idade, perfeitamente funcional. Mas não havia água para abastecer a caixa d’água, água nas torneiras, nada. Se você queria água, você pegava com o balde. Você não tem ideia do quanto você aprende a se virar quando a água não vem pela torneira.
Vamos deixar bem claro uma coisa: sabemos que só cerca de 10% da falta d’água é culpa do consumo residencial. Mas na hora do aperto, você e sua família vão ter que aprender a se virar com menos ou quase nada. Ficam aqui as minhas dicas:
Escovar os dentes usando um copo pequeno, daqueles de 150ml, funciona muito bem. Com um pouco de prática, você consegue escovar até com meio copo.
A água da SABESP não é confiável. Você pode investir em um filtro Philips direto na torneira como fazemos aqui em casa, mas no frigir dos ovos o bom e velho filtro de barro ainda salva vidas. As velas são consumidas espantosamente rápido em São Paulo. Você vai ter que aprender a se policiar.
Aprendendo a tomar banho com pouca água (sim, banho de balde e caneca! Mas dá pra quebrar o galho até com pote de sorvete. Sério.)
a. Lavando o cabelo: Molhe o cabelo em pé. A água escorrerá o suficiente pelo corpo. Passe o xampu e se ensaboe. Enxague o xampu e boa parte do sabão escorrerá do corpo. Use o condicionador. Enxague o condicionador e o resto do sabão já terá ido embora. Lave as partes íntimas com o que sobrar.
b. Banho só de corpo: Invista em uma bucha natural. Passe a bucha molhada na água de um recipiente pequeno pelo corpo. Ensaboe. Passe a bucha molhada pelo corpo retirando o sabão. Enxague a bucha, repita o processo. Lave as partes íntimas com a água que sobrar.
E se puder, coloque uma bacia larga embaixo de você para coletar a água que cai durante o seu banho e usar na descarga do vaso.
*Falando nisso, tem uma invenção de uns caras de Porto Alegre, um novo chuveiro inteligente, que diz quanto você gasta de água e luz durante o banho e guarda o registro para até cinco pessoas.
Como lavar louça com pouca água.
Lição 1: toda água será reaproveitada na medida do possível.
Lição 2: Água quente salva vidas.
Vale pra todas as situações: use um arejador na pia. Se não tiver um, feche a torneira e deixe um fio d’água. Veja qual o mínimo de água que você consegue usar para lavar alguma coisa. Você vai ficar surpreso.
Use um só copo ao longo do dia. Uma garrafa para ciclistas de água e uma xícara para sucos, café etc.
Raspe todos os restos de comida que você puder antes de colocar a louça na pia.
Panelas engorduradas não devem se misturar com louça sem gordura. No fogão mesmo você pode borrifar vinagre para ir soltando a gordura da panela. Deixe o vinagre agir um pouco. Enquanto isso, esquente meio litro de água. Não precisa ferver. Leve a panela engordurada na pia vazia e vá jogando a água quente em um fio sobre a gordura. Boa parte dela deve sair só com isso. Esfregue a panela com a esponja bem ensaboada, enxague com o resto da água.
Para quem tem microondas eu gosto de dar uma bela enxaguada na esponja, colocar um pouco de detergente nela, e com ela úmida deixar ela por um minuto no microondas. Isso desinfeta a esponja e ajuda a remover os últimos resíduos de gordura.
Se você é do tipo que gasta pouca louça e mora sozinho e lava as coisas assim que suja: Coloque um container dentro da pia. Pode ser uma forma de bolo, uma frigideira, um pote de sorvete. Eu prefiro coisas em que caiba um prato dentro. Daí, lavou seu copo? A água vai pro container. Se tiver um prato dentro, ele vai ser coberto pela água e a sujeira já vai soltando. Tem algum copo com resto de coisa agarrada no fundo? Posicione embaixo daquele que você está lavando e deixe a água diluir o resíduo.
Se você tem uma família de quatro pessoas como eu: panelas maiores na pia, pratos e potes e panelas menores dentro das maiores, copos fora da pia com água o suficiente para diluir a sujeira (um ou dois dedos) e um ou dois copos com os talheres dentro, cabos voltados para cima, água cobrindo até o começo dos cabos. Eu começo pelos copos. Ensaboo eles e deixo de lado. Vou ensaboando os itens menores e empilhando todo mundo do lado da pia. A água do enxague dos itens menores vai removendo a sujeira de pratos, potes etc que ficam na pia. Caso algum item ensaboado ainda me pareça um pouco engordurado, eu jogo um pouco de vinagre em spray nele. Eu passo a esponja no interior da panela com a água do molho dentro dela mesmo.
A água acumulada vai para um balde, que servirá para usar na descarga. Encheu demais? Balde.
Vaso sanitário, esse fedido. Não sou muito fã de vasos com reservatório porque eles quebram à toa, mas para reuso da água eles são uma maravilha. Vários prédios estão com programas de estímulo à troca de vasos. Se tiver a oportunidade, troque! Existe um novo botão de descarga dual, com fluxos de água diferentes para líquidos e sólidos.
Então você começou a dar menos descarga e acumular xixis, mas o vaso começou a ficar com aquele cheiro característico de bar. Duas coisas: bicarbonato de sódio e borra de café.
Máquina de
Lavar – Eu troquei a minha por um modelo mais econômico de tombamento com tecnologia inteligente de uso de água. Como a gente trabalha com o que a gente tem, capte a água que sai da máquina e use na descarga e na faxina da casa. Se a sua máquina for de tampa no topo, há tutoriais da internet para reutilizar a água da máquina e lavar duas levas de roupa com a mesma água. Existem algumas máquinas de lavar que já têm esse recurso de aproveitar a água para duas lavagens.
Carro se lava com balde e pano úmido. Não importa de onde vem a água da mangueira, desperdício É desperdício.
Quintal: recolha as fezes do seu cachorro como faria na rua. Tente educá-lo para fazer em um só lugar, de preferência perto do ralo. Seque o xixi com jornal. Tente limpar apenas o lugar onde está sujo, ao invés de lavar o quintal inteiro. E use água captada da chuva, do banho ou da máquina de lavar.
Capte água da chuva.
Você não precisa ser refém das más decisões do governo.
Se você mora em casa, seu telhado é um grande captor de água da chuva sendo desperdiçado. Coloque caixas d’água adicionais. Bote uma calha no telhado. Inclina essa laje. Bota uma piscina de criança no quintal apertado. Faça uma cisterna com sistema de filtragem para guardar a água acumulada. Dá até agonia ver tanta água potável escorrendo literalmente pelo ralo. Se for um recurso legal em seu município, faça um poço artesiano. É caro, mas você pode ser uma fonte de água para você e seus vizinhos em uma emergência.
Se você mora em apartamento, tudo depende de você e dos seus vizinhos. Veja com a síndica como colocar um sistema de captação de água da chuva no teto do prédio e calhas aparando a chuva das paredes, garagens etc. Se bate chuva na sua janela, você pode usar um plástico para coletar essa chuva. Se não bate chuva de jeito nenhum, você pode pedir a um vizinho para fazer isso. Se você coletou água demais e o vizinho não tem, doe essa água. Assim o prédio economiza como um todo.
Quer reclamar com o governo? Exija que eles recolham a água das regiões alagadas e levem para ser descontaminada e reutilizada. É um absurdo que a água não saia das torneiras, mas esteja inundando casas porque a infraestrutura é ruim.
P.S. da LuFreitas: confira as iniciativas da Aliança pela Água. E quando puder, assista à conversa que rolou na Casa de Lua sobre o assunto: http://youtu.be/A_0kY-1kOdw. E não perca o lindo texto da Eliane Brum publicado no El País. http://brasil.elpais.com/brasil/2015/02/02/opinion/1422883484_909975.html