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Aborto: você não precisa ser a favor para apoiar a descriminalização.

No Brasil, aborto é crime. E apesar de 1 em cada 7 mulheres brasileiras já terem realizado um aborto, de acordo com uma pesquisa de 2010, apenas as mulheres pobres acabam sendo processadas e tratadas como criminosas. Independente de ser contra ou a favor da legalização do aborto, é preciso encarar que ele existe e é uma prática recorrente em nossa sociedade. E, justamente por ser proibido, acaba sendo também um problema de saúde pública. Milhares de mulheres morrem todos os anos em decorrência de abortos mal sucedidos, sem assistência médica, sangrando abandonadas. Se  abortar é ruim, abortar na clandestinidade, ser presa ou até morrer é muito pior.

No Sistema Único de Saúde (SUS) são realizadas 180 mil curetagens por ano, decorrente de abortos provocados, pois espontâneos não exigem internação, segundo o Ministério da Saúde. Outra estatística que demonstra a gravidade dos abortos ilegais é que chegam a causar 15% de mortes, a quarta maior causa de óbitos de grávidas no país. Continue lendo em Pelo direito de escolha.

É importante falar sobre as diferenças entre descriminalização e legalização do aborto. São duas coisas diferentes. O aborto sendo criminalizado, só beneficia as clínicas de aborto clandestinas que lucram muito no comércio ilegal de abortamentos. Mulheres com dinheiro tem a opção de pagar caro por um aborto seguro ou viajar até um país que tenha o aborto legalizado. O problema fica com as mais pobres, na maioria negras. Criminalização aumenta a hipocrisia e os bolsos de muita gente. Você pode ser contra o aborto, mas ser a favor da descriminalização, para que as mulheres que abortam não sejam presas. Pense no desespero de uma mulher que decide arriscar a própria vida em clínicas clandestinas e em seguida procura um hospital público por causa das complicações. Ela merece ser presa? A conhecida da sua mãe, a colega de faculdade, a Luiza Brunet, merecem ser presas?

Imagem do Documentário "O Aborto dos Outros" - Clique na imagem para ver o trailer.

O perfil dessas mulheres e como chegam às mãos da Justiça, questões até então desconhecidas, foram reveladas por um estudo realizado pela Universidade de Brasília (UnB) e pelo Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis), com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Intitulada Quando o aborto se aproxima do tráfico, a pesquisa analisou 10 processos judiciais e inquéritos policiais contra mulheres e vendedores de abortivos denunciados pelo Ministério Público do Distrito Federal entre 2006 e 2010. Recentemente, o trabalho ganhou aval científico, referendado pela revista Ciência & Saúde Coletiva, que prevê sua publicação em breve.

Entre as sete mulheres, todas moradoras do DF, indiciadas nos 10 processos analisados, 70% nasceram em cidades do interior do Norte ou do Nordeste e tinhamcompanheiro fixo. A escolaridade de nenhuma passa do ensino fundamental e as atividades desempenhadas vão de domésticas a funcionárias do comércio. “Não há uma menina universitária ou de classe média. Elas não fazem aborto?”, indaga a antropóloga Debora Diniz, uma das autoras da pesquisa. Para a estudiosa, além da penalização da mulher menos favorecida do ponto de vista econômico e social, o estudo traz outro dado alarmante: a morte de duas delas. Segundo Debora, o dado precisa ser compreendido de maneira séria: “São duas entre sete, é uma taxa alarmante. Os processos revelam que elas morreram porque demoraram muito a procurar ajuda devido ao medo de serem denunciadas”.

Financiada pelo Fundo Nacional de Saúde, a Pesquisa Nacional sobre Aborto (PNA), levantamento mais completo sobre o tema no país, mostrou que 15% das mulheres entre 18 e 39 anos já realizaram aborto uma vez na vida. Do total, 48% delas usaram medicamentos abortivos e 55% necessitaram de internação hospitalar por complicações. Não foram demonstradas diferenças significativas entre as religiões declaradas pela entrevistadas — 15% são católicas, 13% declararam-se evangélicas, 16% responderam ter outras crenças. O restante não tinha religião ou não respondeu. Continue lendo em Aumentam Processos Contra Mulheres de Baixa Renda Que Fizeram Aborto.

A legalização do aborto é uma questão mais ampla. Significa dar a mulher o direito de decidir. Há muitas discussões que vão desde o direito à vida do feto, passando pelo prazo máximo para a realização de um aborto legal, até o direito da mulher sobre seu corpo. O Brasil avança lentamente nessas discussões. É sempre importante falar sobre prevenção e planejamento familiar, mas é pouco difundido que há remédios que influenciam na eficácia da pílula, que nem toda mulher se adapta bem à pílula ou ao DIU, que camisinha pode falhar. Pode-se defender o celibato, mas sabe-se que a discussão vai muito além disso. Atualmente o aborto é legal nos casos em que houve estupro e quando há risco de vida para a mãe. Em breve, o STF deve votar a questão dos fetos anencéfalos. Mas nem essas exceções estão garantidas, no Congresso há mais projetos para aumentar as punições e restringir a opção da mulher do que o contrário. É preciso deixar de lado a hipocrisia, os preceitos religiosos e encarar de frente a questão do aborto no Brasil. Um problema que mata milhares de mulheres todos os anos e que já provou não deixar de existir, mesmo estando há muito tempo na clandestinidade. Quem ganha com a criminalização do aborto no Brasil? Com certeza não são as mulheres.

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5 mitos sobre a legalização do Aborto

Embora seja um assunto para lá de delicado e com argumentos válidos para todos os lados existem várias afirmações contra a legalização do aborto que eu gostaria de comentar: são os pensamentos dogmáticos à respeito do assunto. Um dogma não precisa estar necessariamente ligado à uma religião, e sim à uma ideia que é difundida sem aprofundamento.

A legalização do aborto é, antes de mais nada, uma questão de saúde pública. Essa é a parte que não se discute pois é baseada em fatos e dados – independente de nossas crenças pessoais à respeito do aborto, estamos falando da descriminalização e da legalização pelo bem da saúde das cidadãs. O assunto é também uma questão de direitos da mulher. Essa parte se discute – afinal vivemos em uma sociedade ainda machista, patriarcal e, principalmente, hipócrita.

Fiz uma rápida busca no Search do Twitter para captar alguns desses dogmas e “ilustrar” alguns mitos. Vamos a eles:

1. Se legalizarmos o aborto iremos viver uma carnificina

Tweet – “ñ podemos liberar o aborto a Bel Prazer,deve existir regras,senão vira carnificina”

Não é à toa que essa frase sai na maioria das vezes da boca dos homens: eles não sabem que o aborto não é e nunca será usado como método contraceptivo. Mulheres que já realizaram ou que conhecem quem já realizou um aborto sabem muito bem que fazer isso é traumatizante e dolorido (de corpo e alma.) E nenhuma mulher quer passar por isso “a Bel Prazer.” O aborto só é realizado pois o trauma e a dor de manter uma gravidez/maternindade indesejada é ainda maior.

A legalização do aborto não irá fazer com que o aborto vire rotina na vida da mulher: somente irá fazer com que os abortos que já acontecem na ilegalidade passem a acontecer com mais segurança. Só diz que a legalização do aborto resulta em carnificina quem não tem o menor conhecimento de causa.

2. Legalizar o aborto é ir contra os direitos do feto

Tweet – “Fulana falou que a criminalização do aborto eh uma violência CONTRA A MULHER! #louca”

Cynthia Semíramis resumiu bem esse dogma neste post, de onde tiro a citação:

“Ao fazer isso [afirmar que o aborto é uma violência contra o feto], estão invertendo a ordem de prioridades: colocam um não-nascido como tendo prevalência sobre uma pessoa viva, como se a mulher tivesse menos direitos que ele.”

A criminalização do aborto é sim uma violência contra a mulher!

A violência indireta é permitir uma gravidez não planejada, uma família sem estrutura e um futuro incerto tanto para a mulher quanto toda sua família. A violência direta é realizar o aborto de forma clandestina e ter como resultado a morte.

3. Eu sou contra, então não é correto legalizar

Tweet – “aborto sou contra, E MUITO! quem faz isso tem que morrer, serio!” [contraditório, não?]

Se sua religião ou moral próprias não julgam ser correto realizar um aborto a solução é simples: não realize um! Querer que a sociedade inteira acate é imposição ao todo de uma opinião pessoal.

Estamos tratando de Políticas Públicas que vão muito além da situação de um indivíduo. Estamos falando da saúde e do funcionamento social de toda uma população. Se você acha errado, não faça.

4. Minha religião não permite

Tweet – “Como que alguém que se diz cristã afirma que “aborto” é problema de saúde pública?”

Embora pareça em algumas passagens não estou aqui para atacar nenhuma religião. Inclusive não tenho nada contra nenhuma delas! O problema é querer que todo um país siga as suas crenças. Lembre-se: o estado é laico e sua função é proteger seus cidadãos. A legalização do aborto está aí para isso: proteger as cidadãs. A sua crença não pode interfirir no direito de outros indivíduos.

Mais uma vez: quem não quer fazer, não faz. Se o aborto é proibido na sua religião, não o faça.

5. Temos outras coisas para nos preocuparmos

Tweet – “Eu acho que tem coisas muito mais importantes a se debater do que legalização do aborto hein? Coisas mais básicas, tipo educação, segurança.”

A questão do aborto é sim prioridade. A consequência de abortos mal realizados é a morte. Você sabia que abortos mal realizados são o terceiro motivo de morte entre mães no nosso país? Será que realmente não é uma prioridade?

Mas a legalização do aborto também tem tudo a ver com todas as outras esferas e prioridades da sociedade.

Pense em uma mulher pobre. Por ser pobre ela já faz parte do problema educação, tanto por não poder ter educação de qualidade quanto por não poder oferecer isso à sua família. E a segurança? Precisamos de segurança pois existe violência. E a violência vem de uma sociedade com indivíduos pobres que não têm outra opção além de viver com a violência. Crianças que nasceram em uma família sem condições de oferecer-lhe uma vida digna e por isso recorrem à violência, sua única opção.

Neste mesmo molde também escuto o apelo: “temos que falar mais dos métodos anticoncepcionais para que o aborto não seja necessário!”

É fácil falar de métodos anticoncepcionais quando somos de uma classe cheia de informação. Acontece que as maiores vítimas de complicações em abortos clandestinos são justamente aquelas sem informação e sem acesso aos métodos contraceptivos.

1. Saiba mais neste vídeo completíssimo da Universidade Livre Feminista: http://vimeo.com/15358185

2. Quer saber informações históricas sobre a questão do Aborto? Leia: http://sindromedeestocolmo.com/archives/2010/09/o_aborto_na_his.html/