(Este Manual é uma homenagem do LuluzinhaCamp a todas as mulheres, mães e imperfeitas.)
Se você é mãe, recente ou antiga, já deve ter esbarrado, lido ou se confrontado com algum manual de criação de filhos. Ou algum manual de amamentação, de como trocar a fralda sem desmanchar o penteado, de como se manter sexy para o maridão depois de passar uma noite em claro com o filho queimando em febre. E se mesmo tendo lido todos esses, e outros, ainda não conseguiu ter respostas para suas agonias, esse é o manual perfeito para você!
Capítulo Um – Choque de realidade
Na porta da maternidade não existe um portal encantado pelo qual você passa e se torna a melhor mãe do mundo. Aceite isso. Esse é o primeiro passo. Porque quando o seu filho tiver uns 4 a 5 anos ele provavelmente vai lhe dizer isso. Ou porque ele talvez queira uma dose extra de chocolate, ou apenas porque desconhece as outras mães existentes no mercado, ou já se tocou que não tem como trocar você por outra.
Então você passará a ser a melhor mãe do mundo, porque ele também não quer perder pros amiguinhos nesse quesito. Mas até lá, você será apenas uma mãe. Aceite.
Você irá para casa com aquela bomba de nitroglicerina ativada, ops, com seu bebezinho lindo, fofo e cheiroso no colo e, provavelmente, como todas as outras mães do mundo, não saberá, no começo, muito bem o que fazer com ele. Isso é normal, você não é um ET, nem a única a se sentir assim.
Capítulo Dois – Amor de mãe, amor eterno
Amor materno não é algo que acontece automática e sincronizadamente com o toque da tesoura no cordão umbilical ou com a papelada da adoção assinada e carimbada. Você estará cansada, seja do parto físico, seja do parto burocrático, hormônios em polvorosa, com os peitos inchados, e um ser faminto berrando em seus braços, exigindo que você supra todas as necessidades dele deste momento até praticamente o fim da vida, ou até que ele consiga se virar sozinho. Se você tornou-se mãe por adoção, acontece uma coisa parecida: e mesmo que você já ame aquele ser, ele ainda é, de certa maneira, um estranho. Mas por mais que você tenha a inclinação de amar, é difícil que isso aconteça instantaneamente, mesmo que seja seu filho.
Não se exija ter o clique mágico do amor. Espere, como esperou nove meses, como esperou a vida toda para receber seu bebê, pois garantimos (ou devolvemos seu dinheiro): o dia em que ele lhe oferecer um olhar de reconhecimento, um olhar trocado de um jeito só de vocês dois, você saberá que é verdade, as mães fazem tudo por seus filhos, e sentem mesmo aquele sentimento arrebatador que aparece em comerciais de margarina. Tudo tem seu tempo, e o de vocês pode ser diferente de todas as outras relações de mãe e filho.
Por que ninguém contou isso antes? Porque ninguém gosta de admitir ser uma mãe imperfeita. Mesmo que todas mais ou menos sejam.
Capítulo Três – O exército da não-salvação
Um exército de pitaqueiros invadirão sua casa, sua vida, sua mente, sua televisão, seu telefone, os grupos de internet que você participa, aparecerão em missão secreta por meio da conversa da vizinha, da avó da tia, da sua mãe, do seu pai, da sua avó, do seu marido. Todos, absolutamente todos os seres humanos do universo, saberão cuidar do seu filho, qualquer que seja a idade dele, melhor do que você, a mãe da pessoa. Eles estarão a postos e prontos para apontar o dedo na primeira dúvida que você esboçar diante de uma reação inesperada ou nova do seu filho e, claro, vão afirmar entender o que ele quer ou espera muito melhor do que qualquer um, principalmente melhor do que você.
Sendo uma Mãe Imperfeita você pode valer-se de uma arma super secreta: FINJA. Isso mesmo, finja que isso nunca foi novidade, que você sabe tudo, que você é a Melhor Mãe do Mundo do ano, e tira isso e qualquer outra coisa de letra. Tentar convencer os pitaqueiros de plantão de que seu método funciona (mesmo que seja apenas falta de jeito, mas estamos fingindo que é método) será gastar energia à toa. Diga apenas que na sua casa, com o seu filho, você faz assim e pronto. Esconda deles o seu medo, pânico, pavor de dar tudo errado atrás do fingimento e não dê bola para milhares de receitas infalíveis que vão querer fazer você engolir. E siga em frente, seu filho agradece.
Capítulo Quatro – Eu nunca mais vou dormir?
Desde o dia que o filho estrear na sua vida, um fato é certo: você nunca mais vai dormir. NUNCA MAIS. Sabe aquela soneca delícia no meio da tarde? Sabe aquelas horas puxadas de sono durante a noite? Acabaram. No começo será o choro do bebê, que chorará de fome, de susto, de xixi e cocô, de tudo que pode atrapalhar um sono de bebê.
Depois que ele ajustar o sono, e vocês dois puderem dormir mais ou menos seis horas por noite, vai aparecer um tipo de sono que você nunca teve antes, o sono-alerta. Aquele em que você vai perceber qualquer movimento brusco, qualquer bater de cabeça no berço, o cair da cama e até o suspiro assustado.
Depois vem o sono interrompido pelas obrigações escolares, com horários e regras. Depois vem o sono atrasado dos adolescentes. Depois vem o sono preocupado até que a criatura chegue sã e salva em casa, e de que seja e esteja feliz. Esse sono preocupado vai durar mais ou menos TODOS OS DIAS DE SUA VIDA.
Portanto, não se sinta culpada/constrangida/sem jeito de dormir quando o bebê dorme, mesmo que aquela visita não se toque de que tem de ir embora. Não se intimide de deixar seu lindo e fofo bebezico com uma tia, sua irmã, sua mãe e dizer “vou dormir, cuida pra mim?”, porque pode ser que os seus relógios biológicos não funcionem de forma sincronizada. E esteja preparada para um fato inédito: MÃES PRECISAM DORMIR TAMBÉM. Não porque são mães, mas porque são seres humanos. Essa característica humana você ainda não perdeu. E lembre que o seu sono será alerta para o resto da vida. Então, quando puder, durma. Se estiver com sono agora, deixe os outros capítulos de lado e vá dormir. Boa noite.
Capítulo Cinco – Medo e culpa
1. Tenha em mente as frases números dois e três como um regra soberana de sua vida:
2. Não se cria filho com medo.
3. Não se cria filho com culpa.
4. Repita o item “um” sempre que tiver alguma dúvida se o que você faz por amor está certo ou não.
Capítulo Seis – Meu filho me odeia
O seu filho odeia você? Parabéns. Você tem um filho saudável, do ponto de vista psíquico. Filhos odeiam as mães porque são elas que dizem “não” quando tudo o que eles querem é ouvir “sim”. São as que dizem “vamos embora” quando a brincadeira está boa. São as que mandam vestir a blusa quando eles não querem nem saber se vai fazer frio ou não. São as que exigem respeito quando tudo o que eles fazem é bater com a porta na cara da vida.
Mães são odiadas, sim. Só que esse “ódio” é apenas uma maneira de exercitar a provocação para pensar, a afirmação da personalidade, a preparação para o choque de realidade da vida. Você, Mãe Imperfeita, é a linha de frente no combate, é a porta-voz dos limites. E quem é que gosta de ter limites?
A boa notícia é que esse ódio não cria raízes. Cria seres humanos melhores.
Capítulo Sete – Não negocie com terroristas
Uma hora ou outra na vida aquele bebê com olhos redondinhos, tão fofo, meigo e que você ama tanto, será possuído por um ser altamente tirano e desafiador, usando de suas armas mais letais como chantagem emocional, birra em local público, chilique fora de hora, ou outra que lhe for mais conveniente, para tirar de você aquilo que ele mais quer.
Prepare-se para quando esse momento chegar assistindo a filmes educativos como Tropa de Elite, Duro de Matar, ou qualquer um com o Samuel L. Jackson, e aprenda com os melhores a se manter firme, impávida e inabalável como o sorriso do John McLane.
E lembre sempre: não se negocia com terroristas.
Capítulo Oito – Curso para mães
Só existe uma faculdade disponível para te ensinar a ser mãe. O nome dela é Filho. Ouça-o. Na dúvida, pergunte para ele como se sente, o que acha, será que é bom isso ou aquilo. Você vai se surpreender com as respostas que receber. E nem perca seu tempo tentando encontrá-las em livros de psicologia, com os grandes especialistas em educação infantil ou mesmo com os pitaqueiros de plantão. A resposta que o seu filho der para a sua pergunta provavelmente será o caminho que vai funcionar melhor para vocês dois.
Capítulo Nove – Filho é a melhor coisa que vai acontecer na sua vida!
Mentira. Ter filho não é bom, não. Bom mesmo é ter o tempo todo da sua vida para você, poder botar a bolsa no ombro e ir para onde quiser, não titubear em pedir demissão do emprego ao chegar ao seu limite, sonhar com a viagem para Paris sem sequer questionar se criança pode ou não entrar na Torre Eiffel, e mudar de ideia no meio do caminho sem pensar se daqui a dois quilômetros vai ter banheiro na estrada, e poder dormir até a hora que der vontade no domingo.
Bom mesmo é ter a vida que você quiser, sem mudar nadinha, nadinha por causa de outra pessoa.
Daí que, segundo este Manual, você não será um monstro se um dia pensou em como seria a sua vida se seu filho não existisse. Se você não fosse mãe.
Sabemos que, como Mãe Imperfeita, no entanto, você sequer lembra como era sua vida antes de ter seu filho. Então, por este manual, você está perdoada de imaginar.
Perdoe-se também. E vai lá ver o que ele está fazendo porque já se passou muito tempo em silêncio e nós sabemos que isso não pode ser boa coisa.
Capítulo Dez – Rasgue esse Manual em mil pedacinhos
Se você é uma Mãe Imperfeita já deve ter aprendido que filho não se cria por manual, opinião alheia, palpite, não se cria nem com medo nem com culpa. Filho se educa, e por amor. Filho se cria pelo coração, e pelo caminho do afeto e da humanidade que você tem dentro do peito.
Não queira ser uma Mãe Exemplar, dessas de comercial de margarina ou de sabão em pó porque elas são uma invenção que querem que você compre todos os dias, uma categoria inatingível onde querem que você se encaixe a todo o custo.
Seja a Mãe que seu filho precisa, nem mais, nem menos, na medida exata de que assim como um filho é feito para uma mãe, apenas essa mãe é feita para o filho. Nenhuma criança precisa de uma Super Mulher com super poderes e conhecimento para todas as situações.
Uma criança, o seu filho, precisa de amor, com colo, humanidade, compreensão e paciência. E para amar assim você não precisa de nenhum manual. Talvez nem deste.
Agradecimentos especiais a todas as queridas que participaram da discussão surgida no Grupo LuluzinhaCamp: Renata Correa, autora do tumblr Que Raio de Mãe é Essa?,
Cris Moreira (revisora e querida), Adriana “Di” Matielo, Alessandra Luvisotto, Ana Carolina Arruda, Ariadne de Melo, Barbara Maués, Carla do Brasil, Drica, Evelin Ribeiro, Francine, Jess, Juliana Junqueira, Kryscia, Lanika, Lili Bolero, Lucia Freitas, Maíra Termero, Mariana, Nadine Marques, Renata, Simone Miletic, Suzana Elvas, Vevê Mambrini e todas aquelas que estiveram conosco mesmo sem se manifestar.
9 respostas em “Manual da mãe imperfeita”
O texto fica mais lindo ainda na segunda lida – como se fosse preciso.
Manual detalhado, engraçado e verdadeiro…Amei! Descreve, de forma divertida, como se deve ser mãe com leveza e bom humor e nos livra de muitas culpas 😉
A Lucia comentou comigo essa semana sobre esse texto. Estava doida para ler. De fato ele é mesmo muito bom. Não me identifico tanto como mãe, exceto pela parte que diz sobre os pitaqueiros – que eu odeio com todas as minhas forças e tenho que pensar em coisas lindas na hora que eles abrem a boca que é para não escapar nenhum murro meu na cara deles ou uma resposta atravessada -, mas me identifico como filha, afinal, ainda não passei de “filha para mãe” e nem faz tanto tempo assim que fiz minha mãe passar por poucas e boas.
Obrigada.
Perfeito! Libertador!
Acho que sofreríamos menos com a maternidade se as verdades fossem ditas: “amamentar dói”, “você não dormirá”, “haverá momentos em que você terá vontade de jogar seu filho na parede” (essa eu ouvi da minha mãe e foi ótimo, pois quando senti vontade, pensei “é normal”)… Enfim, todas as coisas cruéis que pensamos, sentimos, mas que fazem parte.
Em outros momentos penso que talvez isso não nos seja dito simplesmente porque nosso cérebro nos faz esquecer do sofrimento para que a humanidade não seja extinta.
Coisas que só as mães entenderão.
A pesquisadora revisita culturas e a própria história da humanidade para comprovar a tese de que mães são naturalmente imperfeitas, como é inerente à própria espécie humana. Combate a ideia de que a maternidade é o passaporte para um mundo de sentimentos absolutamente nobres. Desconstrói o mito da mãe perfeita, que não se cansa jamais diante das infinitas e eternas necessidades de seu rebento. Ao contrário: imperfeitas, mães erram, se sentem indispostas, se sentem frustradas ao não conseguirem encontrar equilíbrio entre os próprios desejos e os dos seus filhos.
Que alívio!!
Ah se alguém tivesse me dito antes de ser mãe o que o capítulo dois diz aqui! Passei os primeiros anos da vida do meu filho sentindo remorso por não ter me debulhado em lágrimas assim que ele nasceu, nem ter sentido um amor instantâneo!
o melhor conselho q eu já ouvi para mães é: se vc tem 1 filho, então vc tem dois: o filho e você mesma. Se vc se considerar filha também, dará a si mesma direito de dormir, direito de ter suas próprias coisas (inclusive sua própria barra de chocolate! ), direito de comprar coisas legais pra você também etc. Senão vc entra numas de achar que tem que <>, o que é PÉSSIMO, para você E para o seu filho.