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Bem vinda

– Oi, meu nome é Marina, sou publicitária, palhaça e moro na Suécia.

– Bem vinda, bem vinda, bem vinda, bem vinda. Seja bem vinda!

Vocês conhecem muito bem esse tipo de reação na lista e hoje o diálogo por aqui é com o próprio LuluzinhaCamp. Eu não me lembro de ter feito uma apresentação, talvez por ter sido muito no começo da lista e a maioria já se conhecia de outros camps da vida. Ou porque talvez a lista ainda não tivesse adquirido essa dinâmica que eu nunca havia visto funcionar.

Participo de algumas listas, umas morreram, outras se transformaram, outras são totalmente nonsense e outras são apenas classificados de qualquer coisa. Mas o que me chama a atenção no Luluzinha é a questão do respeito. Sim, é óbvio que temos briguinhas. É óbvio que temos desavenças e opiniões contrárias. É óbvio porque somos humanas. Estou longe de achar que o Luluzinha é um grupo de santas. O que eu acho bonito nisso é que existe um respeito – que eu adoraria entender de onde vem exatamente – que não deixa desgastar o ego de ninguém.

Primeiro eu achei que o motivo era porque éramos mulheres. Só que, assim que cheguei à Suécia, procurei o “Luluzinha” daqui. Mandei email pra lista, fiz o processo todo que elas pediam, cheguei a conversar inclusive com a moderadora (que estuda com meu namorado, não é uma pessoa tão longe assim). Quatro meses se passaram e eu nunca consegui entrar na lista. Eu sei que a discussão nesse caso é mais longa e que existem outras variáveis, como lista abandonada, lista cheia, xenofobia ou descaso das moderadoras. Mas fico com a conclusão de que não basta ser um grupo de mulheres.

Não descobri ainda a fórmula perfeita. Talvez seja mulheres + Brasil + moderadoras elegantes + paciência + seres humanos cheios de hormônios e neurônios. Ou talvez não tenha nada a ver com isso e só seja explicado pelas duas palavrinhas muito faladas na lista: “bem vinda”.

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Você quer sentar?

Você quer sentar?, ela perguntou. A senhora respondeu que não. Não seria nada demais essa cena se ela não acontecesse no metrô de Estocolmo, em plena hora de rush, com uma menina negra e uma senhora sueca. A questão aqui não tem nada a ver com o fato dela ser negra, mas com o fato de ser facilmente reconhecida como “não tipicamente sueca”. Aliás, os suecos possuem uma relação estranha com os “não suecos” pois, mesmo sem poder expressar qualquer coisa, há um sentimento generalizado de que os estrangeiros estão vindo para cá e tomando o lugar deles.

Mas o que me chamou – e muito – a atenção foi o fato de somente essa menina se prestar a oferecer o lugar. O metrô estava lotado e nenhuma outra pessoa se deu ao trabalho de ceder seu conforto para a senhora. Ninguém.

Continuei observando, de pé, até chegar o meu ponto de descida. Me posicionei perto da menina para poder descer e, mais uma vez, ela me ofereceu o lugar dela. Como uma pessoa educada deveria fazer. Como um ser humano deveria ser. Agradeci e expliquei que já ia descer no próximo ponto e fiquei lá, admirando, enquanto a menina calmamente fazia um rabo de cavalo. Quando acabou, olhou pra mim e eu soltei:

– You are pretty*

Mal sabia ela que não era do rabo de cavalo que eu estava falando.

 

*Em inglês, o verbo “are” pode se referir a “ser” ou “estar”. Ou seja, “você é bonita” ou “você está bonita”.

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Nasci aqui. E amo essa cidade

Lena, an amazing lady

Conheci Lena numa feira de rua, em Amsterdam. Ela, numa cadeira de rodas, fumando, acompanhada de uma mulher. Pedimos para dividir a mesa enquanto saboreávamos um croquete holandês. Aliás, quem foi que inventou essa história de comer croquete com pão? É estranho, o croquete não cabe dentro do pão, aí você praticamente não consegue comer essa espécie de cachorro-quente enganado. Mas eu não vim aqui pra falar disso. Eu vim pra falar da Lena.

Nasceu em Amsterdam e já não escuta muito. Mesmo assim, esforçou-se para se comunicar conosco em uma língua que não era nata nem dela e nem nossa. Tropeçando em uma mistura de diálogo em inglês com sorrisos, tivemos momentos super graciosos. Disse que amava a cidade e que lá as coisas faziam sentido. Não disse exatamente com palavras, mas com seus olhos. Ficou admirada quando contamos que éramos do Brasil, mas que estávamos morando em Estocolmo. Julgou nossa escolha como qualquer outro brasileiro julga: vocês estão loucos? Nessa hora, deu pra perceber que Amsterdam, mesmo sendo um perfeito cartão postal europeu, tem uma mentalidade bem pouco européia.

Quando levantamos da mesa para ir embora, ela pegou na minha mão. Nessa hora percebi como minha mão estava gelada e a dela, quente. Comentei:

– wow, i’m cold
– i’m Lena, nice to meet you*

O prazer foi meu, Lena. E conhecer você só reforça a minha vontade de ser uma velhinha de bem com a vida, dessas que pintam o cabelo de roxo.

 

*para quem não fala inglês, explico: eu disse “i’m cold” que significa “estou com frio”. Só que essa é a mesma construção gramatical para dizer seu nome, ex: “sou a Marina”. Aí, ao ouvir minha fala, ela respondeu com seu próprio nome, dando a entender que eu havia dito o meu antes. Ou seja, “me chamo Cold” 😉

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O chapéu do porão

Sylvie tinha um olhar enigmático. A conhecemos ao entrarmos em sua loja, já com a placa “Fermé” na porta, pois ela mesma resolveu abrir seu espaço para conhecermos. Era uma loja de chapéus feitos a mão, em Montmartre, em uma daquelas ruazinhas que descem da Sacre Coeur. Enquanto eu olhava os produtos, algo não fazia sentido. O que estava exposto não parecia estar a altura do que aquela mulher parecia capaz. Depois de um tempo na loja, ela descobriu que @fweno era descendente de japonês e finalmente se abriu:

– Você fala japonês??
– Não…
– Mas você tem algum contato lá?

Contou que, certa vez, uma emissora japonesa havia feito uma filmagem com ela. O programa de TV incluía takes dela produzindo um chapéu gigantesco, verde, roxo e único. Além disso, filmaram um desfile de pessoas usando seus chapéus teatrais-quase-máscaras. Falava pausadamente com um brilho nos olhos que aumentava a cada detalhe. Confessou que seus melhores chapéus não ficam expostos “pois não são para pessoas regulares” e são guardados no porão. Acontece que, recentemente, o porão dela havia sido inundado por uma infiltração. E a água estragou o chapéu verde, roxo e único. E os donos do imóvel que ela alugava como loja estavam exigindo que ela saísse de lá. E ela estava em dívidas. E ela estava desesperada porque havia perdido o chapéu verde, roxo e único sem nunca haver fotografado. E de repente ela estava contando a vida inteira com a intensidade de um monólogo do Satyros, daqueles que só são exibidos à meia-noite. E nós embarcávamos na história que a cada momento apresentava fatos cada vez mais dignos de um roteiro de filme. Foi aí que ela pediu um favor:

– Vocês podem entrar em contato com a emissora japonesa para pedir uma cópia do documentário? Tenho os contatos aqui.
– Sim, claro!
– Gostaria muito de poder fazer o chapéu verde, roxo e único novamente.

Tirou da carteira um cartão que aparentava um certo tempo de uso. Nele, um nome de um produtor de TV e o logo da emissora. Estávamos muito próximos de um final feliz, já que eu e @fweno tínhamos certeza que poderíamos inclusive encontrar o documentário no YouTube sem nem mesmo contatar a tal da TV. Perguntamos:

– Quando isso foi gravado?
– Há 10 anos atrás.
– …

O mais louco de tudo é pensar que ela vivia os últimos 10 anos como se eles fossem condensados naquele momento único do documentário sobre o chapéu verde, roxo e único.

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Missão de vida

Bianca sempre tem um sorriso no rosto. Nos conhecemos há anos e anos atrás, em uma sala de sapateado. Lembro como se fosse hoje de uma cena durante uma aula de interpretação: Bianca, olhando para o chão, dialogava com um esparadrapo como se fosse seu melhor amigo. Parecia realmente uma conversa com um conhecido antigo, com a empolgação típica de quem nasceu em Recife. “Essa menina é boa”, pensei. E eu estava certa. Pernambucana, morou em São Paulo por muitos anos, onde virou sapateadora e professora de dança. Acabou voltando pro Recife ao casar, mesmo sabendo que o sapateado por lá não recebia muito incentivo. Foi guerreira. E botou na cabeça que sua missão era mostrar que o sapateado é acessível a todos. Desde que se mudou, dá aula em comunidades carentes levando a linguagem do sapateado americano aos mestres do frevo. Em alguns projetos conseguiu o incentivo de lei, em outros insistiu mesmo sem qualquer verba disponível. Ela sempre soube que ver o pessoal feliz com o sapateado e ganhar o carinho dos alunos seria muito mais rico do que o próprio dinheiro.

Fiz esse vídeo na minha última visita a Recife. A aula é dada no meio da rua. Os sapatos de sapateado estão gastos e com as chapinhas quebradas, mas a empolgação dos dançarinos compensa qualquer coisa. Emocionante que só. E pronto.