A primeira coisa que me aconteceu hoje foi encontrar a matéria da TPM sobre professoras que foram desligadas de universidades por defenderem a legalização do aborto. [Você pode conferir clicando no link: http://revistatrip.uol.com.br/tpm/professoras-defendem-a-descriminalizacao-do-aborto-e-sao-desligadas-de-universidades]
Eu parei de escrever pela legalização do aborto há muito tempo porque, depois de um post contra o Estatuto do Nascituro no finado blog 300 – que nunca parou de receber comentários pra lá de esdrúxulos – eu traumatizei.
No Brasil, além das questões estruturais e próprias da política neste momento específico, há uma cegueira e um silêncio eterno a respeito não só de nós, mulheres, mas também sobre as nossas questões.
Em recentes audiências públicas sobre o assunto, tive o desprazer de ver mulheres falando tanta babosa que a gente poderia fazer uma fábrica de hidratante sem medo.
O raciocínio é simples:
Todo indivíduo é igual perante a lei.
O Estado é laico – portanto não é sujeito a leis religiosas e a fé é livre.
A saúde pública é direito de todos e dever do Estado.
É também dever do Estado tratar e cuidar de todos os seus cidadãos de forma igual.
Isso é Constituição, certo? Vale para todo mundo? Não.
Então porque as mulheres não podem fazer laqueadura a qualquer momento de sua vida? (Não, não podemos, os médicos não fazem, se recusam mesmo que a pobre implore ou peça de joelhos, mesmo que cumpra a regra: maior de 25 anos OU dois fihos).
Por que diabos somos vítimas de violência obstétrica o tempo todo?
Por que somos obrigadas a ter filhos?
O Brasil tem uma montanha de leis que se sobrepõem à Constituição – que garante igualdade de direitos – e impedem as mulheres de dizerem o que querem para si e como querem. Vai daí que mesmo mulheres que legalmente têm direito ao aborto (em caso de estupro, risco à vida ou impossibilidade de sobrevivência do feto já é legal) não conseguem fazer o procedimento na rede pública.
Se você duvida, veja (ou reveja) o sofrimento de Severina.
Existem, hoje, não só projetos de lei que propõem exatamente a legalização. Existem centenas de projetos também que estão à caça dos pouquíssimos direitos que a mulher hoje tem de dizer o que quer ou não em seu corpo. Ninguém é obrigada a seguir grávida. Um punhado de células não pode se sobrepor à vontade de uma mulher adulta – ela, sim, cidadã. Isso é tão mínimo, tão básico, que chega a ser absurdo ainda termos que discutir o assunto.
Mas temos que falar. E as professoras foram demitidas exatamente porque falaram. Porque fazem pesquisas e conversam sobre isso com seus alunos.
Outro dia, num táxi, usei outro raciocínio simples com pessoa religiosa – e parece que funcionou. Porque eu tenho que seguir o que você acha? É muito simples: numa democracia cada um faz o que acha, de acordo com suas crenças. Exatamente por isso é direito da mulher brasileira decidir que não quer ser mãe. Porque ela não quer e ponto. Sem justificativa, sem prestar contas a quem quer que seja. Se a pessoa é religiosa e acha que é errado, que não faça.
A crença é livre – e você pode ser da umbanda, do candomblé ou da corrente evangélica que escolher, ninguém mete a colher, certo?
O corpo é pessoal e intransferível, bem como a vida. O impacto de um filho é algo absolutamente irreversível. Criança exige atenção, cuidado, dedicação absoluta – e não é por um tempo, é pelo resto da vida. As mulheres sabem disso, sabem que, em geral, não contam com companheiros para dividir a carga. Muitas de nós querem sim ter filhos – e estamos aqui prontas para ajudar todas a conquistar seu desejo da melhor forma. E quem não quer?
A criminalização das cidadãs brasileiras que não querem filhos (ou não querem este filho) é um absurdo. Temos o direito de resolver quando, como e se queremos filhos. Não somos chocadeiras (nem objetos).
Com a epidemia de Zika à solta o tema voltou. E ninguém menos que Dráuzio Varella diz tudo o que outros não podem (ou devem, por medo de demissão e outro tipo de retaliação) http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/02/160201_drauzio_aborto_rs
Foto: Unsplash, Mario Azzi